Livestock Research for Rural Development 16 (3) 2004

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Serragem de madeira como controlador da ingestão diária de um suplemento protéico-energético por novilhas durante a época seca

Pedro Malafaia, Rosane Scatamburlo Lizieire*, Alcione Ribeiro Ronchi**, Tiago Neves Pereira Valente**, Daniele De Latorre Pereira**  e  Tânia de França Padilha**

Dep. Nutrição Animal e Pastagens, Inst. Zootecnia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 23851-970, Seropédica - RJ,  malafaia1@ig.com.br
*
PESAGRO-RIO - Estação Experimental de Seropédica - EES. Antiga Estrada Rio-São Paulo, Km 47, 23851-970, Seropédica - RJ
** Acadêmicos de Zootecnia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 23851-970, Seropédica - RJ


Resumo

O desempenho ponderal, os custos e os aspectos nutricionais foram avaliados em dois grupos de 14 novilhas submetidas a dois diferentes tipos de suplementos protéico-energéticos por 114 dias da estação seca. Como controladores do consumo diário, um grupo recebeu um suplemento contendo cloreto de sódio (NaCl) e o outro, um suplemento contendo serragem de madeira.

Ambos os grupos de novilhas ganharam peso durante toda a estação seca; entretanto, não foram verificadas diferenças estatísticas no desempenho animal em função dos tratamentos. O menor consumo do suplemento contendo NaCl (85% do verificado para o suplemento contendo a serragem), pode ser atribuído à maior eficiência do NaCl no controle do consumo diário de um suplemento protéico-energético. O maior consumo diário verificado para o suplemento contendo a serragem não implicou em elevação dos custos com a suplementação dos animais, uma vez que a serragem é um resíduo da indústria madeireira, usualmente conseguido de forma gratuita nas serrarias.

A utilização da serragem, como controlador do consumo diário do suplemento protéico-energético,  além do baixo custo, representa uma alternativa de minimizar os impactos que esse resíduo orgânico poluente faz no meio ambiente.

Termos de Indexação: Bovinos, desempenho ponderal, suplementação protéica-energética.


Sawdust as a regulator of intake of a protein-energy supplement by dairy heifers during the dry season

Abstract

Daily weight gain, costs and nutritional aspects were evaluated in 28 dairy heifers fed two protein-energy supplements for 114 days during the dry season. The heifers were divided into two groups. To one group a protein-energy supplement containing 35% of sodium chloride as a regulator for voluntary supplement intake was given. To the other group, 35% of powdered sawdust was mixed into the protein-energy supplement in order to verify if this organic residue could be used as a regulator for the daily supplement intake. The animals were weighed every 30 days and the protein-energy supplement intake was measured each day.

There was no difference in daily weight gain when sodium chloride (0.189 kg day-1) or sawdust (0.212 kg day-1) was used as regulator for the supplement intake. The daily intake of the supplement containing sodium chloride was 0.166 kg day-1, whereas the intake of the supplement containing sawdust was 0.196 kg day-1.  

The results of the experiment confirm the hypothesis that sawdust can be incorporated into protein-energy supplements to substitute sodium chloride for the regulation of daily supplement intake. The use of sawdust could be an alternative to avoid environmental problems caused by this ligno-cellulosic material.

Key Words: Protein supplementation, tropical forages, sawdust.


Introdução

É fato conhecido que, durante a estação seca, o rebanho bovino alimenta-se das sobras de forragens oriundas das estações da primavera e verão, caracterizadas por baixa disponibilidade de biomassa, elevados teores de fibra indigerível e quantidades de proteína bruta (PB) inferiores ao nível crítico de 60 a 70 g kg-1 de MS. Considerando que nesta época as deficiências são generalizadas, para amenizar os efeitos das restrições quantitativas e qualitativas das pastagens durante o período seco, faz-se necessária a utilização de diferentes estratégias de suplementação protéico-energética.

O fornecimento adicional de nitrogênio (N) para animais que consumem forragens de baixa qualidade estimula o crescimento das bactérias fibrolíticas, incrementa a taxa de digestão da fibra, melhora a síntese da proteína microbiana. Estes aspectos permitem elevar o consumo voluntário da forragem e melhorar o balanço energético do animal em pastejo. Como a microbiota fibrolítica ruminal necessita do íon amônio (N-NH3) como fator de crescimento, a ingestão de fontes de proteina degradável no rúmen (PDR) ou de uma fonte de nitrogênio não protéico (NNP), nas situações onde ocorra limitação de N, aumenta significativamente a atividade dessa microbiota que é a responsável pela digestão da fibra do pasto.

No Brasil, em 1961, surgiu a idéia de se controlar o consumo diário de suplemento protéico-energético pelos animais, por intermédio da utilização de elevadas quantidades de cloreto de sódio (NaCl). A proposta era evitar o fornecimento diário de suplemento ao rebanho, reduzindo desta forma, os gastos com transporte e mão-de-obra necessários para a distribuição destes nos cochos (Bisschoff et al 1967).

Apesar das vantagens apresentadas, o uso do NaCl como controlador de consumo possui algumas limitações, pois além de terem diferenças individuais quanto à tolerância ao sal, com o passar do tempo, os animais podem "adaptar-se" aos elevados níveis de sal e aumentar o consumo do suplemento. Outro fato é que uma mesma quantidade de sal em um suplemento protéico-energético pode determinar respostas variadas em seu consumo. Adicionalmente, variações na disponibilidade de forragem e a "adaptação" do animal a maiores níveis de sal, exigem um "grau de flexibilidade" na formulação dos suplementos para proporcionar um consumo almejado.

Geralmente utilizam-se 150 até 350 g NaCl kg-1 de suplemento protéico-energético (Malafaia et al 2003) e, nessas situações, há a necessidade de uma maior disponibilidade de água, uma vez que as elevadas quantidades de sal ingerido junto com os suplementos induz a um maior consumo diário de água (Ronchi et al 2002).

A serragem da madeira constitui uma forma de biomassa vegetal, ou seja, é um material orgânico composto principalmente de celulose, hemicelulose e lignina (D'Almeida 1988). Este resíduo, cuja produção anual brasileira é desconhecida, e está na ordem de milhares de toneladas, é gerado principalmente nas serrarias e na indústria moveleira. Uma vez dispersa no meio ambiente, a serragem pode trazer sérios problemas de poluição. Os efeitos nocivos ao ambiente originam-se da sua incineração, que resulta em grande produção de fumaça e de seu despejo em cursos d'água ou em terrenos abandonados.

Através de um levantamento bibliográfico sobre os agentes controladores do consumo voluntário de suplementos protéico-energéticos, constatou-se que esse resíduo orgânico ainda não foi testado com esta finalidade na nutrição de ruminantes. Dessa forma, com esse experimento, objetivamos avaliar, por meio da avaliação do desempenho ponderal e do consumo médio diário de suplemento, o potencial de utilização a utilidade da serragem de madeira como controlador da ingestão diária de um suplemento protéico-energético por novilhas mestiças leiteiras.


Material e Métodos

Local, animais e manejo geral

O estudo foi realizado na Área de Bovinos Leiteiros da Estação Experimental de Seropédica (EES) da Pesagro-Rio e teve a duração de 114 dias (28/5/03-19/9/03). Foram utilizadas 28 fêmeas mestiças leiteiras (HPB-Zebu), previamente vermifugadas e mantidas em regime de pastejo contínuo. Os animais foram pesados a cada 30 dias, sempre em jejum hídrico e sólido de, no mínimo, 12 horas.

Área experimental

A área foi dividida em dois piquetes de tamanho similar formados por pastagens naturais de grama batatais (Paspalum notatum) e capim belém (Sporobulus poiretii). Amostras da pastagem foram colhidas em 22/7/03 e em 6/9/03 para a determinação dos teores de proteína bruta e de lignina. Embora não fosse realizada a estimativa da disponibilidade de forragem, visualmente essa era suficiente para garantir o suprimento de biomassa vegetal para os animais por todo o período experimental.

Tratamentos experimentais

Após a pesagem inicial (28/5/03), formou-se dois grupos contendo animais similares em grau de sangue e peso médio inicial. Esses grupos foram distribuídos em seus respectivos piquetes, onde existia um bebedouro e um cocho para fornecimento do suplemento protéico-energético. O cloreto de sódio e a serragem fina de madeira foram utilizados como principais controladores do consumo voluntário dos suplementos (Tabela 1). A serragem, oriunda do corte de diferentes madeiras pela serra circular, foi obtida gratuitamente em uma pequena serraria. Enquanto um grupo de 14 novilhas recebeu o suplemento contendo cloreto de sódio como principal controlador do consumo voluntário, o outro grupo recebeu o suplemento contendo a serragem.

Tabela 1. Composição dos suplementos protéico-energéticos

Ingredientes (%)

Suplemento com NaCl

Suplemento com serragem

Uréia

25

25

Farelo de trigo

40

40

Serragem

--

35

Cloreto de sódio

35

--

PB (%MS)

70.5

64.8

Preço (R$ kg-1)

0,56

0,45

Para evitar consumos diários elevados e, eventualmente, intoxicações pela uréia, nos primeiros 14 dias o suplemento contendo a serragem foi misturado com 15% de NaCl antes de ser fornecido aos animais. Após essa fase, foi utilizada apenas a fórmula descrita na Tabela 1.

Ambos os grupos tiveram ao seu dispor um sal seletivo formulado com cloreto de sódio (99,6 % ou 398 gNa kg-1) e sulfato de cobre (0,4 % ou 1000 mg Cu kg-1).

Os suplementos protéico-energéticos eram regularmente colocados nos cochos; quando as sobras estavam em torno de 10%, um novo reabastecimento era feito, e a data anotada. Com esses dados, mensalmente, era realizada a determinação do consumo diário dos suplementos.

Análises estatísticas

Os valores dos ganhos médios diários de peso foram submetidos à análise de variância segundo o modelo Yij = m + Ti + eij, em que Yij equivale ao valor observado na j-esima unidade experimental, que recebeu o i-ésimo tratamento; m significa a média geral; Ti equivale ao efeito de tratamento e eij significa o erro experimental, suposto normal e independentemente distribuído, com média zero e variância σ2. Utilizou-se o teste de Tukey (α = 5%) para discriminar a existência de diferenças entre as médias de tratamentos.


Resultados e Discussão

Não houve diferença significativa entre os tratamentos quanto ao ganho médio diário de peso (Tabela 2). Os modestos ganhos de peso são conseqüência direta da baixa qualidade das pastagens naturais onde os dois grupos experimentais ficaram sob pastejo contínuo durante toda a estação seca. Reforça esse fato, os baixos teores de proteína bruta e os elevados valores de lignina das amostras da pastagem colhidas em 22/7/03 e em 6/9/03, que foram 4,88 e 4,71% e 9,33 e 9,68%, respectivamente. Nessas pastagens naturais, caracterizadas por baixo valor nutritivo, se não for feita nenhuma suplementação protéico-energética, os animais dificilmente conseguiriam manter seu peso durante a época seca do ano (maio a outubro).

Tabela 2. Pesagens individuais e ganho médio diário dos animais em função dos tratamentos

Grupo NaCl

 

Grupo serragem

Animal

Pesos em

28/5/03

Pesos em 19/9/03

Ganho

médio

diário

 

Animal

Pesos em

28/5/03

Pesos em 19/9/03

Ganho médio diário

1265

150,5

187,0

0,320

 

1218

161,0

200,0

0,342

1242

164,0

201,0

0,325

 

1227

172,5

191,0

0,162

1219

174,5

193,0

0,162

 

1259

176,0

207,0

0,272

1215

176,5

205,0

0,250

 

1243

178,5

225,0

0,408

1234

193,0

225,0

0,281

 

1212

182,0

215,0

0,289

1237

196,5

229,0

0,285

 

1231

197,0

234,0

0,325

1228

197,0

243,0

0,404

 

1173

203,0

226,0

0,202

1198

206,0

235,0

0,254

 

1207

210,0

242,0

0,281

1168

212,0

214,0

0,018

 

1216

211,0

237,0

0,228

1169

222,0

226,0

0,035

 

1187

215,0

232,0

0,149

1204

232,0

251,0

0,167

 

1191

239,0

237,0

-0,018

1190

279,0

293,0

0,123

 

1193

269,0

289,0

0,175

1171

292,0

305,0

0,114

 

1178

295,0

305,0

0,088

1172

307,0

297,0

-0,088

 

1182

304,0

312,0

0,070

Média

214,4

236,0

0,189ª

 

média

215,2

239,4

0,212ª

Ep

48,0

 

 

 

ep

45,6

 

 

ª Médias em mesma linha, seguidas de letras iguais, não diferem entre si pelo teste de Tukey

De tal maneira que o consumo de ambos os suplementos foi o responsável direto pelo acréscimo de 21,6 e de 24,2 kg no peso dos animais que receberam os suplementos contendo o NaCl e a serragem como controladores do consumo diário, respectivamente. Enquanto as novilhas que tiveram acesso ao suplemento contendo NaCl ingeriram, em média, 166 g dia-1, o consumo médio diário do lote que recebeu o suplemento contendo a serragem foi de 195,8 g dia-1 (Tabela 3).

Tabela 3. Consumos diários dos suplementos protéico-energéticos em função dos tratamentos

 

 

Datas

Grupo NaCl

 

Grupo serragem

Consumo diário
(g/dia)

Peso médio do lote (kg)

Consumo diário
(g kgPV-1)

 

Consumo diário
(g/dia)

Peso médio do lote (kg)

Consumo diário
(g  kgPV
-1)

15/6 – 4/7

293

218

1,34

 

317

221

1,43

5/7 – 16/7

128

224

0,54

 

183

229

0,77

17/7 – 31/7

209

231

0,88

 

186

237

0,78

1/8 – 15/8

164

238

0,69

 

212

237

0,89

16/8 – 31/8

182

225

0,81

 

183

234

0,78

1/9 – 19/9a

71

236

0,30

 

90

239

0,38

 

Grupo NaCl

 

Grupo serragem

Total consumido (kg) entre 15/6 e 19/9 (96 dias)

223

 

263

Consumo médio diário (g)

166

 

196

Consumo médio diário (g kgPV-1)

0,72

 

0,83

Despesa com a suplementação (R$/Cab./114 dias)

10,6

 

10,0

a Nesta data, em função das chuvas antecipadas, as pastagens já estavam verdes e com boa disponibilidade; portanto, decidiu-se encerrar o experimento devido ao baixo consumo diário dos dois suplementos.

Embora tenha sido mais consumido, o suplemento com a serragem é mais barato (aprox. 24%) do que aquele contendo o NaCl (Tabela 1). Esse menor preço deve-se ao fato de que a serragem é obtida gratuitamente nas serrarias, especialmente naquelas de pequeno porte existentes no Brasil.

A serragem utilizada no suplemento protéico-energético continha 28,4% de lignina, 52,3% de celulose e 2,03% de proteína bruta, o que caracteriza esse resíduo lignocelulósico como de péssima qualidade nutricional para os ruminantes; seu valor protéico-energético deve ser considerado nulo, assim como é o do NaCl. Porém, a serragem mistura-se bem aos demais constituintes do suplemento protéico-energético, seu cheiro característico e, provavelmente, sua baixa palatabilidade, são características que a colocam como um adequado controlador do consumo diário de um suplemento.

Os consumos médios diários dos dois suplementos propiciaram ingestões diárias de uréia variando de 41,5 g (para o suplemento contendo NaCl) e 49 g (para o suplemento contendo a serragem). Assumindo-se que a dose tóxica, a ser ingerida em uma única vez, se situa entre 0,35 e 0,50 g kgPV-1, os consumos de uréia neste experimento se situaram entre 0,18 e 0,21 g kgPV-1 (o peso médio nos dois lotes foi de 230 kg, Tabela 3), muito abaixo da dose tóxica e, vale dizer que a quantidade diária de uréia foi ingerida em vários momentos ao dia, devido ao efeito controlador que o NaCl e a serragem exerceram sobre o consumo.

Em um estudo sobre a freqüência de ida ao cocho para consumir suplementos protéico-energéticos contendo NaCl como controlador do consumo diário, foi observado que os animais foram ao cocho cerca de 4 a 6 vezes por dia (Ronchi et al 2002; Carvalho Filho et al 2003). Dessa constatação, pode-se inferir, também, que neste estudo, as quantidades de uréia foram consumidas de forma paulatina; aspecto que propicia liberação mais lenta de N-NH3 para o crescimento dos microrganismos fibrolíticos que, por sua vez, irão digerir mais eficientemente o pasto seco, melhorando o desempenho dos animais e diminuindo os riscos de uma intoxicação pelo consumo excessivo de uréia.
 

Conclusões


Referências Bibliográficas

Bisschoff W V A, Quinn L R, Mott G O e Rocha G L 1967 Suplementações alimentares protéico-energéticas de novilhos em pastejo. Pesquisa Agropecuária. Brasileira v2 p421-436

Carvalho Filho M T P, Malafaia P, Vieira R A M, Ribeiro M D, Amorim A P e Henrique D S 2003 Consumo de nutrientes e desempenho de novilhas leiteiras recebendo diferentes opções de suplementação concentrada. Revista da UFRRJ  v23 n 1 p59 - 69

D'Almeida M L O 1988 Composição química dos materiais lignocelulósicos. In: Phillip P e D'Almeida M L O (Ed) Celulose e papel. São Paulo: Instituto Tecnológico de São Paulo v1 Cap 3 p45 559p

Malafaia P,  Cabral Luciano da Silva,  Mendonça Vieira Ricardo Augusto, Magnoli Costa Rogério e Brandão de Carvalho Carlos Augusto 2003 Protein-energy supplementation for cattle raised on tropical pastures: Theoretical aspects and main results published in Brazil.  Livestock Research for Rural Development (15) 12 Retrieved February 18, 2004, from http://www.cipav.org.co/lrrd/lrrd15/12/mala1512.htm

Ronchi A R, Domingues F N, Gomes R A 2002 Aspectos etológicos de bezerras leiteiras consumindo níveis crescentes de NaCl. In: XII Jornada de Iniciação Científica da UFRRJ v12 n1 p79-80

Received 11 January 2004: Accepted 18 February 2004

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