Livestock Research for Rural Development 17 (7) 2005 | Guidelines to authors | LRRD News | Citation of this paper |
Com a finalidade de estimar a herdabilidade do temperamento e a correlação genética entre esta característica e algumas características de crescimento em um rebanho da raça Nelore, analisou-se um conjunto de dados contendo 5.754 observações de temperamento. O modelo animal utilizado incluiu os efeitos fixos de grupos contemporâneos e idade do animal na data da avaliação (covariavel), e os efeitos aleatórios de valor genético aditivo do animal e de resíduo.
O valor estimado para o coeficiente de herdabilidade variou de 0,16 a 0,17. As correlações genéticas foram -0,04 para peso ao nascer, 0,04 para peso aos 120 dias; 0,11 para peso a desmama 0,21 para peso ao 12 meses; 0,23 para peso aos 18 meses; 0,10 para ganho de peso da desmama aos 18 meses (GP345); -0,23 com área de olho de lombo e -0,14 com bainha prepucial. O coeficiente de herdabilidade obtido indica a possibilidade de melhoramento genético de temperamento, principalmente pela seleção de touros, para os quais a predição do mérito genético apresenta boa acurácia.
As correlações genéticas obtidas sugerem que há um relacionamento favorável entre o temperamento e as características de desenvolvimento ponderal.
Palavras Chaves: bovino de corte, parâmetros genéticos, pesos, temperamento
Data from 5,754 records of visual appraisal for temperament of a Nelore herd were used to estimate heritability and it's genetic correlations with growth traits. The animal model included as fixed effects, contemporary groups and, as covariate, age at measurement. Direct genetic and residual effects were considered as random effects.
The estimates of heritability varied from 0.16 to 0.17 in different analysis. Genetic correlation between temperament and weight in different ages was estimated in -0.04 at birth, 0.04 at 4 months, 0.36 at weaning, 0.44 at yearling, and 0.38 at 18 months of age. Genetic correlation between temperament and weight gain from weaning to yearling age was estimated in 0.09 and 0.20 for gain from weaning to 18 month of age.
The estimates indicate that temperament can be improved by selection, mainly by selecting sires with more accurate genetic predictions.
Key Words: beef cattle, genetic parameters, temperament, weight
Nos sistemas brasileiros de produção de bovinos de corte, sobretudo naqueles que desenvolvem programas de melhoramento genético, os animais passam por práticas de manejo comuns às fazendas de criação de gado de corte, como por exemplo pesagens, medições diretas e indiretas, visando controles produtivos e reprodutivos. Assim, animais nervosos ou reativos são indesejáveis, principalmente por consistirem fator de risco para as pessoas que os manejam e para si próprios, podendo inclusive gerar custos adicionais na sua produção (Fordyce et al 1988; Grandin 1993).
A definição para temperamento utilizada neste trabalho e detalhada mais adiante, foi adaptada de Fordyce et al (1982), os quais relatam que o temperamento é decorrente de reações dos animais em relação ao ser humano, geralmente atribuídas ao medo. Com tal abordagem foi possível realizar a avaliação desta característica, qualificando-se a reação do animal diretamente, como a distância de fuga (Fordyce et al 1985) ou indiretamente por meio de escalas subjetivas (Mourão et al 1998).
O temperamento dos animais está diretamente relacionado com a forma e intensidade de manejo do sistema de produção. Em um sistema com manejo eficiente e regular, que estabelece o contato do animal com o homem, os animais são mais dóceis, principalmente se o contato ocorrer nos primeiros meses de vida do bezerro ou até o início da fase pós-desmama (Boivin et al 1992). Adicionalmente, a característica temperamento parece sofrer influência importante de fatores genéticos, que contribuiriam para com as diferenças de comportamento observadas em bovinos (Mourão et al 1998).
Outro aspecto importante a ser considerado é a relação entre o temperamento e o desempenho produtivo. De acordo com Voisinet et al (1997), os animais que apresentaram temperamento mais calmo também obtiveram melhores desempenhos em provas de ganho de peso. Assim, o objetivo deste trabalho foi estimar a herdabilidade do temperamento, bem como estimar sua correlação com as características de desempenho produtivo.
Foram utilizadas 5.754 avaliações de temperamento de animais da raça Nelore, realizadas entre os anos de 1993 a 2001, na Fazenda Mundo Novo de Uberaba, pertencente ao Condomínio Agropecuário Irmãos Penteado Cardoso, situada no município de Uberaba, Estado de Minas Gerais.
As avaliações do temperamento foram realizadas utilizando-se uma escala padrão de escores subjetivos atribuídos em função da reação comportamental típica do animal em relação à aproximação de um avaliador, quando este tentava tocá-los com suas mãos. Os escores variam de um (1), atribuído para os animais muito reativos, até cinco (5), atribuído para os animais muito dóceis. Este procedimento foi realizado em uma divisão de curral com aproximadamente 20m2, quando o animal se encontrava isolado, após a pesagem. A descrição detalhada das reações comportamentais pode ser observada na Tabela 1.
Tabela 1.– Escala padrão de escores subjetivos atribuídos em função da reação comportamental típica do animal em relação à aproximação de um avaliador |
||
Escore |
Temperamento |
Descrição |
1 |
Muito Reativo |
O avaliador tenta tocar o animal, porém o mesmo se mostra arisco, se esquiva e investe contra o avaliador, obrigando-o a se proteger subindo na cerca, sob a qual o animal inibe sua descida; |
2 |
Reativo |
O avaliador tenta tocar o animal, porém o mesmo se mostra arisco, se esquiva e investe contra o avaliador, obrigando-o a se proteger subindo na cerca, contudo a o animal permite sua descida; |
3 |
Levemente Reativo |
O avaliador tenta tocar o animal, porém o mesmo se mostra arisco e se esquiva, contudo não investe contra o avaliador; |
4 |
Dócil |
O avaliador tenta tocar o animal, porém o mesmo se esquiva e não deixa ser tocado, apesar de se mostrar tranqüilo e dócil; |
5 |
Muito Dócil |
O avaliador toca o animal, este se mostra tranqüilo e dócil, permitindo ser tocado. |
A distribuição dos escores de temperamento avaliados é apresenta na Figura 1.
Figura 1. Distribuição de escores de temperamento |
As características de desempenho produtivo, envolvidas nas análises, foram os pesos ao nascer (PESNAS), aos 120 dias de idade (PES120), à desmama (PESDES), aos 12 meses (PES12) e aos 18 meses (PES18), além dos ganhos de peso da desmama aos 12 meses (GP160) e o da desmama aos 18 meses (GP345). O número total de observações consideradas em cada característica envolvida nas análises e suas respectivas idades de mensuração, assim como suas médias, desvios-padrão, mínimos e máximos estão apresentados na Tabela 2.
Tabela 2. Estatísticas descritivas do banco de dados analisados, contendo os números de observações (N), as médias observadas (Média), os desvios-padrão (DP), os mínimos (MIN) e os máximos (MAX) para as características estudadas e suas respectivas idades de mensuração. |
|||||||||
Características |
N |
Mensurações |
Idades à Mensuração |
||||||
Média |
DP |
MIN |
MAX |
Média |
DP |
MIN |
MAX |
||
PESNAS (kg) |
7.376 |
31 |
4,20 |
17 |
44 |
- |
- |
- |
- |
PES120 (kg) |
7.497 |
125 |
22,28 |
65 |
185 |
122 |
15,15 |
90 |
150 |
PESDES (kg) |
14.559 |
170 |
30,03 |
85 |
257 |
210 |
25,52 |
150 |
270 |
PES12 (kg) |
13.328 |
211 |
36,25 |
108 |
315 |
362 |
32,17 |
290 |
440 |
PES18 (kg) |
12.706 |
291 |
45,04 |
166 |
417 |
548 |
32,36 |
460 |
640 |
GP160 (kg) |
10.296 |
36 |
27,85 |
-38 |
112 |
- |
- |
- |
- |
GP345 (kg) |
10.582 |
121 |
32,52 |
33 |
210 |
- |
- |
- |
- |
TEMP |
5.754 |
3 |
0,81 |
1 |
5 |
561 |
35,33 |
461 |
640 |
Os modelos de análises consideraram como efeitos fixos os diferentes fatores ambientais, os quais são apresentados a seguir, de acordo com a característica: PESNAS – grupo de contemporâneo ao nascimento (ano de nascimento, sexo, grupo de manejo nascimento) e classe de idade da vaca ao parto; PES120 – grupo de contemporâneo ao peso ao 120 dias de idade (ano de nascimento, sexo, grupo de manejo os 120 dias), classe de idade da vaca ao parto e idade do animal a medida (covariável); PESDES – grupo de contemporâneo à desmama (ano de nascimento, sexo, grupo de manejo à desmama), classe de idade da vaca ao parto e idade do animal a medida (covariável); PES12 – grupo de contemporâneo aos 12 meses (ano de nascimento, sexo, grupo de manejo à desmama, grupo de manejo aos 12 meses), classe de idade da vaca ao parto e idade do animal a medida (covariável); PES18 – grupo de contemporâneos aos 18 meses (ano de nascimento, sexo, grupo de manejo à desmama, grupo de manejo aos 18 meses) e idade do animal a medida (covariável); GP160 – grupo de contemporâneos do ganho de peso da desmama aos 12 meses (ano de nascimento, sexo, grupo de manejo aos 12 meses); GP345 – grupo de contemporâneos do ganho de peso da desmama aos 18 meses (ano de nascimento, sexo, grupo de manejo aos 18 meses); TEMP – grupo de contemporâneos de temperamento (ano de nascimento, sexo, grupo de manejo aos 18 meses). |
Os Componentes de (co)variância foram obtidos por máximo verossimilhança restrita com a utilização do programa computacional MTDFREML (Boldman et al 1993). Foram processadas análises bi-características, incluindo-se o escore de temperamento e uma das características de desempenho produtivo.
O modelo matemático básico em forma matricial foi o seguinte:
Em que:
y1 = vetor das observações da característica 1, neste caso temperamento (TEMP);
y2= vetor das observações da característica 2; uma das características de desempnho produtivo
b1 = vetor de efeitos fixos para TEMP;
b2 = vetor de feitos fixos para característica 2;
u1 = vetor de efeitos aleatórios de valor genético aditivo direto para TEMP;
u2 = vetor de efeitos aleatórios de valor genético aditivo direto para característica 2;
X1(X2) = matriz de incidência associando elementos de b1(b2) a y1(y2);
Z1(Z2) = matriz de incidência associando elementos de u1(u2) a y1(y2);
e1(e2) = vetor dos erros aleatórios.
Os valores dos coeficientes de herdabilidade obtidos
para o escore de temperamento variaram de 0,16 a 0,17, nas
diferentes análises (Tabela 3). Estas estimativas situam-se na
região de limite inferior dos resultados publicados na
literatura científica. Mishra et al (1975) reportaram valor de
0,19 para animais mestiços Karan - Pardo suíco; Fordyce
et al (1982) encontraram valores que variaram entre 0,17 e 0,67 em
três análises de temperamento em bovinos de corte;
Mourão et al (1998) relatam estimativas 0,06; 0,15 e 0,27 em
bovinos mestiços Holandês-Zebu utilizando-se diferentes
modelos de estimação, Gauly et al (2001) estudando uma
população da raça Angus, obtiveram coeficientes de
herdabilidades variando em função dos anos de
avaliação de 0,11 a 0,13 com erros padrão de 0,07 e
0,11 respectivamente, para os escores de temperamento avaliados no
período antes do manejo, em que o animal foi mantido isolado
em uma área restrita de 25 m2. O mesmo trabalho
mostra ainda que os valores para os animais da raça Simental
foram de 0,17 (±0,12) e 0,35 (±0,21), respectivamente
para os dois anos avaliados. Quando os animais foram submetidos ao
manejo com movimentação em espaço restrito de 4,0
m2, as herdabilidades para os dois períodos foram
de 0,61 (±0,17) e 0,18 (±0,07) para animais da raça
Angus e, de 0,55 (±0,15) e 0,52 (±0,20) para animais da
raça Simental, respectivamente para os dois períodos.
Table 3: Estimativas dos componentes de variância genética aditiva (sa2), residual (se2) e fenotípica (sp2), herdabilidades (h2) e contribuições das variâncias residuais, expressa como razão da variância fenotípica (e2) para a característica Temperamento obtida nas análises bi-características |
||||
Tipo de Análise |
Componentes de Variância |
|
||
|
|
|
||
TEMP + PESNAS |
0,0974 |
0,4948 |
0,5922 |
0,16 |
TEMP + PES120 |
0,1002 |
0,4934 |
0,5938 |
0,17 |
TEMP + PESDES |
0,1009 |
0,4945 |
0,5964 |
0,17 |
TEMP + PES12 |
0,1010 |
0,4967 |
0,5977 |
0,17 |
TEMP + PES18 |
0,0985 |
0,4950 |
0,5935 |
0,17 |
TEMP + GP160 |
0,0956 |
0,4969 |
0,5925 |
0,16 |
TEMP + GP345 |
0,0964 |
0,4962 |
0,5926 |
0,16 |
Burrow (2001) encontrou coeficientes de herdabilidade para o escore de temperamento, medido como velocidade de fuga, maiores que os descritos neste trabalho, com valores variando de 0,40 a 0,44 com animais de raça composta adaptada aos trópicos e criados a pasto.
Nas Tabelas 3 e 4 estão apresentados os componentes de (co)variâncias nas análises bi-características para Temperamento e para as características de desenvolvimento ponderal.
Os coeficientes de correlação genética entre o temperamento e as características de desempenho produtivo analisadas neste trabalho estão apresentados na Figura 2 e na Tabela 5. Os valores encontrados neste trabalho sugerem um relacionamento favorável entre o Temperamento e características de desenvolvimento ponderal. Este comportamento é coerente com os relatos de Burrow e Dillon (1997) e Voisinet et al (1997).
Figura 2. Correlações genéticas entre o escore de temperamento e as características de desempenho produtivas estudadas. |
Tabela 5. Correlações genéticas entre o escore de temperamento e as características de desempenho produtivo estudadas |
|
Característica |
|
PESNAS (kg) |
-0,04 |
PES120 (kg) |
0,04 |
PESDES (kg) |
0,36 |
PES12 (kg) |
0,44 |
PES18 (kg) |
0,38 |
GP160 (kg) |
0,09 |
GP345 (kg) |
0,20 |
- correlação genética entre temperamento e as características de desenvolvimento ponderal |
Considerando-se os coeficientes de herdabilidade, estimados para o escore de temperamento, é possível afirmar que a obtenção de ganho genético pode ser alcançada por seleção. Os resultados, neste trabalho sugerem que animais mais calmos podem apresentar melhor desempenho. Preconiza-se maiores estudos verificando a repetibilidade das avaliações destes escores de temperamento, considerando diferentes avaliadores, assim como em diferentes condições de manejo, visando avaliar o impacto de utilização desta característica como critério de seleção nos sistemas de produção de gado de corte.
Trabalho apoiado pela FAPESP
– Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
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Received 17 March 2005; Accepted 26 May 2005; Published 1 July 2005