Livestock Research for Rural Development 16 (2) 2004

Citation of this paper

Substituição do milho desintegrado com palha e sabugo pelo milheto em dieta de cabras leiteiras

Aldi Fernandes de Souza França, Geisa Fleury Orsine, Euclides Reuter de Oliveira e Miguel Joaquin Dias

Departamento de Produção Animal da Escoloa de Veterinária/UFG - Campus II
 Goiânia - GO, CEP 74.001-970, Brasil
aldi@vet.ufg.br

Resumo

Durante um período experimental de 70 dias, a produção e características físico-químicas do leite foram medidas para verificar o efeito da substituição do milho desintegrado com palha e sabugo pelo milheto, nas proporções de 0, 33 e 67%. Nove cabras da raça Alpina com idade entre dois e quatro anos, da 2a a 4a ordem de parição e entre o 10o e 20o dia de lactação, foram utilizadas. O experimento foi conduzido segundo um delineamento de blocos casualizados com três tratamentos e nove repetições, sendo a variável de blocagem a produção de leite. A análise de variância não mostrou efeito significativo (P<0,05) entre os tratamentos, mostrando que a substituição do MDPS pelo milheto grão, na proporção de até 67% pode ser recomendada.

Palavras Chaves: Grãos de cereais, leite, produção, qualidade
 

Substitution of ear maize with straw and sago millet in the diet of lactating goats

Abstract

During an experimental period of 70 days, the production and physico-chemical characteristics of milk were measured in nine Alpine goats, aged between two and four years, in 2nd to 4th lactation, and between the10th and 20th days of lactation, to verify the effect of substitution of ground ear maize by millet in the ratio of 0, 33 and 67%.  The design was a randomized  block with three treatments and three replications.

Milk production did not differ between treatments therefore it is concluded that ground ear maize can be replaced by millet up a level of 67%.

Key words: Ear maize, goats, lactation, , millet.

Introdução

O milheto (Pennisetum.glaucum) constitui uma alternativa para rações, principalmente na região Centro-Oeste do Brasil, onde a oferta de grãos é crescente devido à produção obtida na safrinha. Em função das características fisiológicas e do valor nutritivo, a cultura do milheto tende a crescer de forma significativa nas regiões dos cerrados porque esta forrageira se adapta com certa facilidade em solos ácidos e de baixa fertilidade. Embora o milheto apresente um valor energético 92% da energia do milho, os teores de proteína bruta e de aminoácidos essenciais são superiores aos de outros cereais. Seu valor comercial, aproximadamente 40% do preço do milho, constitui uma alternativa bastante viável no sistema de produção de leite.

O milheto (Pennisetum glaucum (L.) é uma forrageira anual de verão, podendo ser utilizada tanto para produção de forragens, bem como para grãos. Outro fator determinante do crescimento do cultivo, relaciona-se ao advento do sistema de plantio direto na região, utilizando-se a cultura de milheto para produção de cobertura morta do solo, tendo em vista a alta resistência ao stress hídrico apresentado por esta gramínea.

Segundo Gates et.al (1995), o milheto é cultivado em mais de 27 milhões de hectares em todo mundo, sendo em maior escala para fins de produção de grãos na África e na Índia. De acordo com os relatos de Andrews and Kumar (1992), em revisão sobre o uso do milheto em rações para animais, os experimentos que utilizaram este grão como alimento para aves, suínos, ruminantes e outras espécies, deixou bastante clara a sua utilidade para formulação de rações, bem como o seu valor nutritivo, que em muitas vezes é semelhante ou até mesmo superior ao observado para alimentos tradicionalmente utilizados em rações, como milho, sorgo, cevada e triticale.

Quando utilizado nas dietas em níveis crescentes de substituição ao milho tende a promover redução no consumo total de matéria seca (Terrill et al 1998).

Testes de alimentação com bovinos, suínos e particularmente com aves mostraram que o grão de milheto é, pelo menos, equivalente ao milho e, geralmente superior ao grão de sorgo quando utilizado na composição de rações, em função de seus adequados níveis de energia e proteína (Hill et al 1996). Embora o milheto apresente um valor energético 92% da energia do milho, os teores de proteína bruta e de aminoácidos essenciais são superiores aos de outros cereais.

O presente trabalho foi conduzido com o objetivo de avaliar a substituição do milho na forma de rolão (MDPS) - milho desintegrado com palha e sabugo - pelo milheto grão na dieta de cabras leiteiras com baixo potencial de produção.


Material e Métodos

O experimento foi desenvolvido no Setor de Caprinos e Ovinos do Departamento de Produção Animal da Escola de Veterinária da UFG, durante três períodos consecutivos entre 03/10 a 05/12/1997. Foram utilizadas nove cabras da raça Alpina com idade entre dois e quatro anos, da 2a a 4a ordem de parição e entre o 10o e 20o dia de lactação, distribuídas em um delineamento de blocos casualizados com três tratamentos e três repetições. A variável de blocagem adotada foi produção de leite. Cada tratamento foi submetido a um período de 21 dias, dos quais, os primeiros 14 dias foram destinados à adaptação dos animais às dietas, enquanto do 15o ao 21o dia procedeu-se a coleta de dados. As dietas que constituíram os tratamentos (Tabela 1) apresentavam uma relação volumoso:concentrado de 50:50 e foram fornecidas separadamente, 2 vezes ao dia.

Tabela 1: Composição percentual calculada para os tratamentos experimentais

Tratamentos

 

M0

M33

M67

Farelo de trigo

5,5

5,5

5,5

MDPS

67,0

45,0

22,0

Farelo de soja

23,0

23,0

23,0

Milheto

00,0

22,0

45,0

Uréia

0,5

0,5

0,5

CaCO3

1,0

1,0

1,0

Sal mineralizado

1,0

1,0

1,0

Óleo

2,0

2,0

2,0

Total

100,0

100,0

100,0

PB (%)

17,8

18,1

18,4

Os concentrados isoprotéicos e isoenergéticos foram formulados para atender as necessidades nutricionais de produção de 2 kg/animal/dia, segundo Sanches et al (1985). As ofertas de silagem de milho foram ajustadas individualmente a cada dia, de forma a permitir seletividade pelos animais e sobras em torno de 20%. Os concentrados foram ajustados de acordo com a produção de leite. As amostras de silagem foram coletadas semanalmente, tomando-se uma sub-amostra composta ao final do experimento para fins de análise. A avaliação da produção e a coleta de amostras de leite foram efetuadas nos últimos sete dias de cada período experimental, sendo as amostras de leite compostas por dia e imediatamente analisadas quanto às características físico-químicas, considerando os parâmetros: densidade, acidez, gordura, crioscopia, extrato seco total, proteína bruta, extrato seco desengordurado e pH. Os dados obtidos foram analisados utilizando-se o programa estatístico Sistema de Análise de Variância de Dados Balanceados (SISVAR), de acordo com Ferreira (2000). Para comparação dos valores adotou-se o teste de Tukey e o nível de significância de 5%.


Resultados e Discussão

Os resultados das avaliações de produção de leite e os parâmetros das características físico-químicas podem ser observados na Tabela 2. As análises de variâncias para as variáveis citadas não apresentaram diferenças (P<0,05) entre os tratamentos. Para a produção de leite, a inclusão de 67,0% de milheto na dieta se aproximou ao tratamento controle, sendo apenas 15% inferior, sugerindo que o milheto pode substituir o MDPS nas mesmas proporções, considerando que as rações foram isoprotéicas e isoenergéticas. Os resultados obtidos neste experimento são concordantes com os trabalhos de França et al (1996), quando avaliaram o desempenho de quatro grupos de cabras leiteiras recebendo níveis de 0, 25, 50 e 75% de milheto grão mais panícula em substituição ao MDPS (milho desintegrado com palha e sabugo), não tendo sido observado diferença (P<0,05) para produção de leite. Entretanto, em outro trabalho também com cabras leiteiras, França et al (1997) verificaram que a substituição de milho pelo milheto grão na proporção de 0, 33, 66 e 99%, não influenciaram significativamente a produção de leite. Dentre as características físico-químicas analisadas, apenas os teores de proteína bruta foi influenciada pelos tratamentos aplicados (P<0,05), ou seja, quanto maior o nível de substituição, maior foi a produção de protína bruta do leite. Os resultados obtidos por Gelaye et al (1997) quando avaliaram o valor nutricional do milheto, utilizando dietas completas ou contendo 40,0% milho, 40,0% milheto ou 40,0% milho e milheto misturados na proporção de 1:1 balanceados para conter 16% de proteína e 2,24 Mcal de energia digestível/kg. Os autores verificaram que em caprinos lactentes e em cabras em lactação que o consumo de ração e a produção de leite não foram afetados pela inclusão do milheto na dieta. No entanto, Kichel et al (1999) relatam que o uso do milheto na alimentação animal é pelo menos equivalente ao milho e geralmente superior ao sorgo, podendo substituir o milho em até 66%.

Quanto às características físico-químicas do leite, observa-se que os valores encontrados são semelhantes aos determinados nos trabalhos de França (1996 e 1997), quando avaliaram a substituição do milho pelo milheto em diferentes níves e estão próximos aos de Tanezine et al (2000), que avaliaram amostras de leite coletado de animais pertencentes à bacia leiteira de Goiânia, possibilitando informações básicas sobre a composição do leite de caprinos. Os valores encontrados para gordura, apresentaram acima da média normal, podendo estar relacionados com as diferenças nos tempos de lactação ou devido à inclusão de óleo na ração. A necessidade da inclusão de óleo, nas dietas contendo milheto é devido ao menor valor energético deste cereal em comparação ao milho grão, o que Fialho et al (1992) e  Feedstuffs (1995) consideram uma limitação para rações com alta densidade calórica. A inclusão do milheto até ao nível de 67% não foi fator limitante de consumo, considerando que as quantidades ingeridas estiveram próximas às recomendadas por Sanches et al (1985) para cabras leiteiras de baixa produção.


Tabela 2. Valores médios de produção de leite, densidade, acidez, gordura, crioscopia, extrato seco total (Est), proteína (PB), extrato seco desengordurado (ESD) e pH do

 

Tratamentos

 

M0

M33

M67

CV

Leite  (kg/d)

1,19

1,11

1,01

34,9

Densidade

1,031

  1,030

  1,031

  0,09

Acidez

16,5

           16,6

           16,6

  3,70

Gordura

3,69

  3,81

  3,68

  7,17

Crioscopia

0,57

  0,57

  0,58

  0,45

EST

12,4

 12,4

12,5

   4,85

PB

3,64

   3,57

 3,45

   8,23

ESD

8,79

   8,68

 8,88

    3,37

pH

6,40

   6,38

 6,40

     1,32


Conclusões

O milheto grão pode ser utilizado em dietas de cabras leiteiras em substituição ao MDPS, sem que haja alteração na produção e nos componentes do leite, até a proporção de 67%. Considerando que o preço do milheto comercializado é aproximadamente 40% mais barato que o milho, torna-se viável do ponto de vista econômico esta substituição.


Referências Bibliograficas

Andrews D J And Kumar K A 1992 Pearl millet for food, feed, and forage. Advances in Agronomy, San Diego, v. 48, p. 89-139.

Feedstuffs 1995 Minnetonka, v. 67, n 30, p. 69-79, Special number.

Ferreira D F 2000 Análises estatísticas por meio do SISVAR para windows versão 4.0. In: Reunião Anual Da Região Brasileira Da Sociedade Internacional De Biometria, 45, São Carlos. Anais... São Carlos : UFSCAR, p. 225-258.

Fialho E T, Barbosa H P And Albino L F T 1992 Composição química e valores de digestibilidade da proteína e energia de alimentos para suínos. In: Reunião Anual Da Sociedade Brasileira De Zootecnia, 29, Lavras - MG. Anais... Lavras : SBZ, p. 379.

França A F S, Orsine G F, Dias M J , Stringhini, Padua J T, Padua D C M And Mundim S P 1996 Utilização do milheto como substituto do milho em rações para cabras leiteiras. Anais das Esc. de Agron. e Vet.., 26(2): 89-95.

França A F S, Dias M J, Orsine G F And Padua J T 1997 Avaliação do grão de milheto (Pennisetum americanum) em substituição ao milho (Zea mays) em rações para cabras em lactação. In: Anais das Escolas de Agronomia e Vet. 27(1): 121-126.

Gates R N, Hanna W W And Hill G M 1999 O milheto como planta forrageira. In Workshop Internacional de Milheto, Brasília. Anais... Brasília, EMBRAPA, p. 87-94.

Gelaye S, Terril T H, Amoah E A, Miller S, Gates R N and Hanna W W 1997 Nutritional value of pearl millet grain for lactating and growing goats. Journal of Animal Science, Champaing, v. 75, n 10, p. 1409-1414.

Kichel A N, Miranda C H B e Silva J M da 1999 Mileto (Pennisetum americanum (L.) Leek) como planta forrageira. In: Workshop Internacional de Mileto, Brasília. Anais... Brasília, EMBRAPA, p. 97-103.

Sanches L M, Fernandes M A e Machado T M M 1985 Introdução a criação de cabras leiteiras. Associação dos Criadores de Cabras Leiteiras. Belo Horizonte-MG, 45 p.

Tanezine C A, Costa F M A, Pontes I S, Rocha J M, Souza J T, Dias M J e Dialessandro W T 2000 Qualidade do leite caprino cru da bacia leiteira de Goiânia. Goiânia. 1ª ed. 81 p.

Terril T H, Gelayes, Andah E A, Miller S, Kouakou B, Gates R N and Hanna W W 1998 Protein and energy value of pearl millet grain for mature goats. Journal of Animal Science, Champaing, v. 76n 10, p. 164-169.


Received 9 April 2003; Accepted 13 November 2003

Go to top